domingo, 7 de setembro de 2008

Mata a mulher e vai jogar futebol

Que crime horrendo foi aquele. Sábado, 10h. A Polícia chega após uma denúncia anônima. Na casa, restos do que aparentava um conflito campal. Flavia, Flavinha como era chamada, foi encontrada no quarto brutalmente decapitada.

Vizinhos afirmaram que gritos pela manhã chamaram a atenção. Os investigadores concluíram que esses gritos eram direcionados à Tarciso, marido da vítima.

Pausa.

Homens adeptos ao futebol de várzea são tradicionalistas. Sábado é dia de jogo no campo do Itapajé. E não seria aquele assassinato que cancelaria a peleja. Terremoto, furação ou meteoro em rota de colisão com a terra, talvez. Mas óbito, não.

O jogo começou na hora de praxe, 17h. Era uma partida especial, confronto atípico contra o Sindicato dos Cobradores e Motoristas de Ônibus. E, desde a preleção no bar da Bete, todos sentiram falta do terceiro zagueiro Tarciso. O homem estava desaparecido desde a manhã daquele dia. “Se alguém for achá-lo, será a policia”, concluíram.

A falta que Tarciso fazia ao time foi comprovada logo no minuto oito. Tabela rápida, caixa. Um a zero. Gol daquele cobrador de um braço só, rapaz beneficiado pelo sistema de cotas da Secretaria de Transportes. O Itapajé mal chegava ao ataque. Quando conseguiu, conquistou um chorado escanteio.

Lídio dirigia-se para a cobrança quando ouviu uma voz vinda do sudoeste, ou simplesmente por cima de seu ombro esquerdo:

“- Põe no segundo pau, na pequena área”. Era Tarciso, já uniformizado, com a 3. Pediu a braçadeira de capitão, mandou seu suplente sentar-se e correu até a área.

O time, atônito, não disse nada. Todos observavam aquele homem, que até pouco tempo era acusado de assassinar a esposa e foragido, correr para a pequena área num efeito de câmera lenta, tipo um estudante adolescente em filme americano.

A bola foi levantada e a cabeçada de Tarciso certeira. Antes ainda tocou no travessão – que tremeu -, bateu no chão, voltou a bater no travessão e morreu mansamente no gol, sem tocar na rede. Gol. Tarciso, de punhos fechados, apenas voltou para sua área, seu território, disposto a terminar o jogo.

A vitória do Itapajé veio com facilidade. Já certo da segurança na defesa, os laterais se jogaram para frente e fizeram um gol cada. A celebração, como de costume, foi no bar da Bete. E com Tarciso.

O constrangimento era visível. Quando o silencio começava a ficar assustador, Bira, meia e padeiro, falou:

“- Eu sabia que não tinha sido você, Tarciso”.

“- Eu também”, fortaleceu Neto, intrometido como qualquer goleiro.

O resto do time, solidário, afirmou apoio incondicional à Tarciso. Inclusive ajudando-o a descobrir quem foi o desgraçado que matou sua esposa. Tarciso apenas balançava a cabeça positivamente, bebericando e, volta e meia, suspirando, num misto de saudade e agonia, o nome:

“- Flavinha…”

O primeiro engradado já estava quase completo quando Tarciso levantou-se e foi até o banheiro. Somente após 15 minutos o time se deu conta que o zagueiro não voltaria. Fugira da policia, dos amigos, da realidade. Havia sido ele.

Todos se viram numa situação tenebrosa. Estavam com Tarciso ali, na mesma mesa, mas o deixaram escapar. Pavor. Não havia mais o que fazer. Eles precisavam agir imediatamente.

Mas o time sabia que seria em vão.

Nunca encontrariam um zagueiro como aquele a tempo do próximo jogo.

Peguei lá no Quem matou a tangerina.

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